Contos sem fim - UMA VIAGEM, UM ACASO
Sentada
de baby doll na poltrona da sala, pernas cruzadas, ela lê notícias e
entrevistas que se seguiram ao seqüestro do ônibus 174, no Jardim Botânico.
Ela, também aluna de comunicação, se imaginara prisioneira do tresloucado
assaltante. Ela, também aluna de comunicação, pensa no patético da situação que
Janaina, Luana e Geisa viveram. Ela, também aluna de comunicação, pensa nos
limites entre a ficção e a realidade, e se diz com o poeta: “a realidade é
apenas a parte mais visível da ficção”.
O
professor pediu à sua turma que escrevesse sobre a tragédia, que obrigou até o
presidente da república a se pronunciar naquela tarde de pavor. Poderia ser uma
crônica, uma reportagem imaginária ou, quem sabe, um conto, onde ela se metesse
na pele dos personagens.
Ela
acabou de ler os jornais. Ao final do café, comeu a fatia de mamão, vestiu sua
jaquetinha e já está indo para um estudo em grupo na faculdade.
-
Vai de carro ou vai de ônibus? - indaga a mãe preocupada.
Opta
pelo ônibus como se já estivesse escrevivendo seu texto.
Sobe,
passa pelo cobrador, verifica se ali atrás tem algum tipo estranho.
Precavendo-se, assenta-se ao lado de uma senhora. Começa a examinar os
passageiros. Nesse seu ônibus ninguém tem rosto de bandido. Uma mulata gorda
com suas sacolas de plástico. Um rapaz, com uma pastinha de boy. Três
adolescentes com seus luminosos cabelos e risos matinais. Alguns senhores com
roupa e corpo de aposentados. Tudo trivial.
Dá-se
conta que está numa ambígua viagem - no seu ônibus e no ônibus seqüestrado. No
presente e no passado. Na sua realidade e na ficção, que é a realidade alheia.
Ela tem que escrever o trabalho. O ônibus prossegue matinal o seu roteiro onde
tudo pode acontecer, inclusive, nada.
De
repente, o ônibus, como se não tivesse mais ruas por optar, começa a entrar no
túnel.
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