Wednesday, December 02, 2015

Contos sem fim – Facectomia dupla



Contos sem fim – Facectomia dupla
Novembro 15

Facectomia com implante de lente intraocular duplo
Parte 1

Foi uma surpresa atrás da outra. Primeiro o fato de, duas horas após a cirurgia de catarata, poder remover os curativos. Duas horas da tarde e lá estava ele no banheiro do escritório removendo, primeiro, o do olho esquerdo. Uma claridade incomum, incômoda, como esses faróis de carro metido a besta. O espelho parecia como se tivesse acabado de sair de um banho fervente. Estava preparado para isso. Seu oftalmologista tinha avisado para não se preocupar. Era o efeito bolha – fosse lá isso o que fosse. Com cuidado removeu o curativo do outro olho. Abriu com cuidado para evitar um choque como o anterior. Além da claridade uma miríade cores passeava diante de si. Uma tonteira enorme se apoderou dele que sentou na tampa do vaso. Mesmo com os olhos fechados sentia ainda os efeitos. Somente quando colocou as mãos sobre os olhos voltou a escuridão salvadora. Tateando procurou os curativos sobre a bancada e recolocou-os com cuidado. Sua mulher, ao longe, via todo o sofrimento. Resolveu chegar perto para ajudá-lo. Ao ouvir o que se passou comentou que devia ser assim mesmo. Que o Dr. Jay tinha avisado, que teria pequenos efeitos, mas logo estaria tudo bem. Lembrou que mesmo sua secretária recomendou remover o curativo ao chegar em casa e, com todos os cuidados prescritos, tentar se acostumar à nova vida (que todos os amigos operados cantavam loas).
Em pé, de novo em frente ao espelho, e com a ajuda da mulher removeram os dois curativos. Mesmo de olhos fechados sentiu a intensa claridade. Tentou se habituar até que, abrindo, viu nitidamente seu reflexo, o de sua mulher e de mais duas figuras esquisitas ao seu lado. Olhou para trás, para os lados e só estavam os dois: ele e sua mulher. No espelho, quatro.
(continua)

Facectomia com implante de lente intraocular duplo
Parte 2

Tudo começou algum tempo antes quando finalmente decidiu-se a fazer a tal operação de catarata tantas vezes adiada, apesar de necessária. Os amigos falavam mil maravilhas sobre o depois. Viam tudo em HD. Não só a TV. Após a consulta, os trâmites burocráticos com o plano de saúde, mais consultas para determinar que tipo de lente, as datas marcadas. No início do mês seguinte operaria o olho direito em uma segunda feira e, duas semanas depois, o esquerdo. Tempo necessário para que tudo ficasse sob controle.

Só que... Uma viagem, que achava descartada, voltou à baila. Oportunidade única. Convite para ser um dos palestrantes na Real Sociedade Britânica para Estudos Extraterrenos, em Londres. Tudo pago. Viagem, estadia de uma semana com direito a acompanhante. Imperdível. Mas seria exatamente quando estaria se recuperando da segunda cirurgia. Não dava. Tinha duas opções: transferir para o seu retorno ou tentar fazer as duas vistas em um só dia. A primeira opção implicaria em uma tremenda mão de obra burocrática com o plano de saúde – que era dos bem complicadinhos, cheio de chicanas –, e que fatalmente o faria adiar, mais uma vez, indefinidamente. A segunda opção era desaconselhável. Mesmo com toda a modernidade. Além de demandar mais tempo de cirurgia.

Com um bom papo conseguiu que o Dr. Jay abrisse uma exceção colocando-o em um horário duplo, pela manhã, devido ao cancelamento de um dos pacientes. Cirurgia marcada, cirurgia executada com sucesso. Meia hora depois da recuperação da anestesia (viva os anestesistas), um café com bolachas, e estava a caminho de casa com uma fome de anteontem.
Pausa.

Facectomia com implante de lente intraocular duplo
Parte 3
Telefonaram para a emergência da clínica, pegaram um taxi na porta de casa e foram para lá imediatamente, sem que trocassem uma palavra sequer. Foram atendidos prontamente e, com o auxílio de uma enfermeira, dirigiu-se para a ante sala do Centro Cirúrgico. Não foi preciso trocar de roupa. Dr. Jay tinha acabado uma das cirurgias da tarde e relaxava um pouco. Logo estava ao seu lado e removeu cuidadosamente os curativos, um a um, pedindo para manter os olhos fechados e colocando as palmas das mãos sobre as pálpebras, mantendo um pouco da escuridão. Deu um tempo e pediu para remover as mãos e abrir os olhos.

Na sua frente, com todas as claridades e efeitos luminosos e de cores sob controle, uma figura que o levou a lembrar do Contatos Imediatos. Ou, com boa vontade, o ET de Varginha. Os dois deram uma boa risada, se abraçaram e começaram a trocar ideias sobre a viagem. Dr. Jay também estaria lá.
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