Contos sem fim - Pérola
(revendo mil novecentos e setenta e tanto)
“Bom dia. Sejam bem vindos a bordo de nossa moderna aeronave
Boeing 737-200, prefixo Charlie, Juliet, Romeu da Cruzeiro do Sul. Sou a
comissária Pérola e estarei ao inteiro dispor dos nossos passageiros nessa
viagem com destino a Manaus com escalas em: São Paulo, Campo Grande, Rio Branco
e Porto Velho. Nesse trecho de aproximadamente 40 minutos serviremos um
desjejum com pãezinhos de queijo, sanduiches mistos e uma salada de frutas.
Para acompanhar sucos de frutas, água,
refrigerantes, além de café.
”Por favor mantenham suas poltronas na vertical e observem os avisos de não fumar e manter os cintos afivelados até que estes se apaguem”.
”Por favor mantenham suas poltronas na vertical e observem os avisos de não fumar e manter os cintos afivelados até que estes se apaguem”.
Fazia parte não dizer “e boa viagem”. Além do mais sabia que
não seria tão boa assim. A rota estava repleta de nuvens ameaçadoras, CBs. Sua
colega Stela, de pouca experiência nesses longos trajetos rezava
silenciosamente na galley junto com o comissário Cavalcanti II, de poucas falas
, um cagão de primeira, mas com compostura.
Pérola tinha certeza que Stela em breve estaria baseada em
terra, na área administrativa. Além de bela mulher, talentosa. Era o seu
caminho normal. Não se sujeitaria ao vexame de vomitar durante os vôos.
Ao sobrevoarmos a região de Ubatuba, Caraguatatuba, começou
a pauleira. Já tinham recolhido o carrinho e todos os apetrechos do café da
manhã. O letreiro com aviso sonoro de afivelar os cintos e não fumar apareceu.
Pérola, numa voz calma, informou que entraríamos em uma zona de turbulência e
pedia para que todos voltassem aos seus lugares. Tomei meu último e longo gole
do Teachers já sem gelo. Guardei o copo na bolsa do encosto em frente, encaixei
minha coxa sob o braço da poltrona (junto ao corredor, hábito antigo), fiz
sistema com o avião e me entreguei aos solavancos aleatórios, ora pra cima ou
para baixo, ora para um lado ou outro. O que se ouvia na cabine era o volume do
aumento e redução na potência das turbinas e os gritos e gritinhos femininos e
masculinos. As poucas crianças choravam em solidariedade aos seus medrosos
pais.
Não demorou muito e estávamos sobre São Paulo, Congonhas.
Chovia e ventava. Foi um pouso sofrido, meio de lado. Tarefa para um bom
piloto. Esse 737, balãozinho, era realmente o DC3 renascido e melhorado.
Alguns passageiros desceram. Não era uma ponte Rio-São
Paulo. Juntei-me à tripulação nos fundos da “aeronave” para aquele cigarrinho
proibido. Habitué do trajeto logo estava com uma nova cascavel nas mãos. Ao ver
os novos passageiros entrando apaguei meu cigarro e voltei para meu lugar. Abri
a Heavy Metal do mês, comprada na livraria do aeroporto e, não demorou, já
estava cochilando. Com o som característico da porta fechando, ainda de olhos
fechados, levantei minha cadeira, guardei o copo vazio entre as pernas, e me
acomodei com os travesseiros. Um para a nuca e o outro para as costas. Lembrei
que já tinha dois deles na minha mala, presente de outra tripulação, para uso
nas viagens em estradas mal conservadas desse nosso Brasil.
Pérola novamente se dirigiu aos passageiros com sua voz
calma e serena:
”Bom dia. Sejam bem vindos a bordo...”
Daqui a pouco estaríamos novamente debaixo de pau. Fiz sistema com a “aeronave” e vamos nessa.
”Bom dia. Sejam bem vindos a bordo...”
Daqui a pouco estaríamos novamente debaixo de pau. Fiz sistema com a “aeronave” e vamos nessa.
.
No comments:
Post a Comment