Wednesday, December 02, 2015

Contos sem fim – E eles vieram do centro da Terra.



Contos sem fim –
E eles vieram do centro da Terra.
Geraldo Picanço – Santa Isabel do Rio Preto/RJ – 14/06/2011

Olhos no ar.
Cinzas invadindo apartamentos e casas, pelas janelas, portas chaminés. Aeroportos com as pistas cobertas de um pó leve, fugidio, fechados para pousos e decolagens. As companhias aéreas não se arriscavam a colocar suas aeronaves no ar. Os pátios repletos de aviões com sua nova pintura, cinza. Em verdade as transportadoras, em princípio, não voavam mais pelos riscos materiais do que pela segurança dos passageiros, afinal as seguradoras não cobriam eventuais prejuízos pelo que, antigamente, chamavam de “Acts of God” nos contratos.
Olhos no ar?
Nem tanto. Aos poucos, poucos se arriscavam a ficar de olhos abertos ao ar livre. A poeira fina machucava, arranhava a vista, os olhos ardiam. Não havia colírio que aliviasse. Alguns esportistas pegavam seus óculos de natação para andar pelas ruas. Outros tiravam das gavetas os velhos óculos para neve usados há muito tempo quando conseguiram tirar umas férias em uma estação de esqui nos Alpes ou nos Andes.
Os canais de notícias da TV não falavam de outra coisa: a proliferação de erupção de vulcões por todo o planeta. Já podiam ser vistos os da América do Sul, do Círculo de Fogo no Pacífico, Islândia, Em ilhas remotas, nas costas e no meio dos oceanos, saindo do nada.
Rios, não os de lava, levavam as cinzas como flocos em direção aos lagos e mares. Os de lava, com sua beleza quente, rubra, hipnótica, desciam em busca dos campos e cidades e do mar onde se esparramava deixando no ar rolos de nuvens quais grandes flocos de algodão. Uma beleza pouco vista.
Beleza igual só o espetáculo piroclástico sobre os cumes, em meio aos rolos de fumaça, com raios e trovões constantes lembrando cenas do filme Encontros do Terceiro Grau. Beleza aterrorizante.
Não só o colapso aéreo afetava os transportes de passageiros, mas de matérias primas, produtos industrializados, importações/exportações. Tudo parava. A economia global estava ameaçada profundamente. Todos tinham uma solução; na realidade meros palpites. O que não faltava eram os palpiteiros de plantão, especialistas em desastres. Reuniões e mais reuniões – todas via teleconferência, claro – eram feitas pelas grandes potências, ora impotentes, que, quando não sofriam os efeitos diretos das erupções, sofriam indiretamente em suas economias, sua infraestrutura e no ar que já respiravam.
Cientistas, geólogos e vulcanólogos examinavam os inúmeros vulcões inativos e adormecidos em busca de perigos iminentes. Não havia mais tempo para se dar chances a surpresas. O mundo em polvorosa, sem saber o que fazer, atônito, assistia passivo a mais essa manifestação raivosa da natureza. Não bastassem os recentes terremotos e tsunamis. Não eram poucos os avisos de final do mundo, do apocalipse. Grupos cada vez maiores reuniam-se nas praças em preces, algumas vezes chegando às raias da histeria.
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Os vulcões finalmente pararam de cuspir fogo, lava e cinzas. As cidades em todo mundo faziam todos os sacrifícios, usavam todos os recursos possíveis e imagináveis para sobreviver, para sair do inferno em que viviam. As nuvens que cobriram os céus do planeta trouxeram o frio ao invés do tão aguardado aquecimento global. Os raios solares deixavam de passar em sua plenitude. O mundo era outro, sobrevivendo precariamente, consumindo o que era possível salvar das lavouras, adotando culturas alternativas – como as hidropônicas -, com filtragens e mais filtragens nas águas que abasteciam as populações. Havia todo um novo aprendizado a ser incorporado a nova forma de se viver.
Fazendas de aerogeradores estavam paradas, abandonadas. O ar contaminado levado pelos tão desejados ventos corroeu motores, engrenagens, pás das hélices. Os painéis solares, com suas células fotovoltaicas, perderam a eficiência, lixadas pelo fino pó que varria suas superfícies. Nas grandes barragens, nas usinas hidrelétricas, o caos era total. O que era para ser o meio menos atingido levou para suas superfícies pelos rios contaminados a forragem flutuante de uma borra de sílica que penetrou nas gigantescas turbinas parando-as. Aos poucos em todo o mundo o abastecimento passou de precário a catastrófico. Cuidava-se para que os geradores abastecidos a petróleo garantissem um mínimo de condições para o soerguimento da sociedade, do ser humano e, por que não, de toda fauna e flora do planeta Terra. Vivia-se em um outro mundo que poderia ter qualquer nome menos Terra.
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Quando o mundo já dava como certa a trégua com a natureza, indiferente às mazelas humanas, começaram os avistamentos, que era como as populações que se mantiveram vivendo próximas às montanhas outrora raivosas chamavam as visões que cada vez mais se repetiam. Eles chegavam em pequenos grupos, mas em levas, e se instalavam em meio aos montes de cinzas espalhadas pelo que antes foram bosques, campos e estradas.
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