Contos sem fim -
GOL!!! GOL???
GOL!!! GOL???
De
novo o mesmo sonho. Cada dia mais real. As bandeiras tremulavam nas janelas,
varais e, na rua enfeitada, se ouvia o papoucar dos rojões. Pensava: Romário
nunca faria uma coisa daquelas! A cada jogo que passava a mesma angústia. Seria
hoje o dia? Fernando, nosso garçon (aliás, o pior garçon do mundo – e, por isso
mesmo, nosso garçon favorito), se dizia protagonista de um lance (épico?
bíblico?) em uma partida de futebol no Aterro do Flamengo, que duvidávamos que
pudesse ter acontecido mas, sempre que o assunto da turma caía na mesmice,
insistíamos que ele contasse essa história, sempre acrescida de novos detalhes
e nuances que abrilhantavam a narrativa. Pois esse tal lance, com cenário e
personagens diferentes, entrou na minha vida - ou melhor, nos meus sonhos - de
forma indelével, como uma premonição. Cearense do Ipú - com estabilidade de
carioca – Fernando costumava conta-la, na terceira pessoa, como os velhos
“speakers” do Rádio:
“Quarenta e seis minutos do segundo tempo. Já
estamos nos descontos desta final decisiva aqui no Aterro do Flamengo. Dois a
dois e o empate dá a vitória ao Central de Campo Alegre. A bola rola. Lulu, da
meia lua da sua área, vislumbra o posicionamento dos seus comandados e faz um
passe longo para China que estica para Zelé. Zelé dá um lençol em Perubinha e
executa um lançamento em profundidade, colocando Fernando cara a cara com o
goleiro. Com malícia finge que vai e vai mesmo, deixando o arqueiro estatelado
no gramado, na altura da marca do pênalti. Caminha com a bola dominada até o
arco indefeso. Gol aberto, ninguém por perto, ninguém. Fernando vai chutar...
Não! Todos em campo estão parados aguardando o tiro de misericórdia... Fernando
olha para um lado, para o outro... se abaixa... pega a pelota e sai correndo para
o meio do campo, dando um soco no ar. A platéia, atônita, aos poucos vai se
levantando e começa a aplaudir. O juiz, com um gesto brusco e teatral apita
apontando o centro do gramado. É goool! Gol do Esporte Clube Avenida! Ferrrnaaando!
Senhores espectadores, é impressionante!... O juiz pede a bola, ergue o braço e
dá por encerrada a peleja! O público invade o campo e coloca Fernando nos
ombros...” Todos entenderam o lance nelsonrodrigueano. Todos, menos o técnico
do Avenida que na partida seguinte, colocou o Fernando no banco, barrado. O
argumento que chutando forte seria uma forma agressiva e provocadora e fraco
estaria desrespeitando e humilhando o adversário, não convenceu. A explicação
do técnico era inquestionável: e se o juiz não entendesse a magnanimidade do
ato? Tá legal que não havia forma de se impedir o gol, mas a regra é clara: a
bola deve ultrapassar a linha em toda a sua circunferência.
Agora
imaginem este meu sonho se passando na Copa de 98, com o time canarinho
enfrentando um adversário com camisa de cor indefinida e o Fernando, digo, o
Romário, se abaixando para pegar a fatídica bola entrante. Mas não tinha jeito.
Tomei coragem, me juntei aos demais e encarei a TV. O público, no estádio
lotado para a grande final, aplaudia a entrada da equipe do Brasil. Começa o
jogo... Só mais noventa minutos, digo, noventa e um minutos.
Geraldo
Picanço
4
de fevereiro de 1998
No comments:
Post a Comment