Contos sem fim – O clarinetista
(03-14)
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Suco de acerola. Tirado do pé, digo, tirada do pé, a acerola, claro.
Uma cor linda. Do suco. Pra agradar tive de beber e dizer que estava ótimo.
Uma pessoa super legal, boa praça, daquelas amiga demais. Nos conhecemos
em Quixeramobim, quando visitávamos parentes na cidade cearense. Passaram-se
anos até nos revermos em Detroit, numa feira de utilidades domésticas. Ela como
compradora de uma filial brasileira de um grande conglomerado internacional e
eu como visitante fortuito, um mero colecionador de carros antigos em busca de
pechinchas, já que Detroit estava meio por baixo.
No Rio nos aproximamos ao unir nosso gosto por música frequentando a
Modern Sound. Gostávamos dela. Eu e minha mulher. Coisas em comum, proximidade
de nossas moradias, papos sempre renovados. Um dia, um belo dia, ela apareceu
esbaforida em nossa casa. O porteiro não sabia nem a quem anunciar ao
interfone. Pela descrição foi fácil reconhecer. Não queria subir. Eva, minha
mulher, desceu, e logo me chamou. O negócio era sério. Seu namorado, um
clarinetista, tinha tentado o suicídio em sua casa tomando 20 drágeas de
Cafiaspirina com um vinho chileno, acho que Santa Helena, merlot.
Chamou uma ambulância que o levou para o Miguel Couto. Lá ela
encontrou uma realidade bem diferente da que imaginava. Seu namorado era um
terrorista procurado pela Interpol. Deu um jeito de escapulir antes que
começassem a interrogá-la. Agora estava conosco, andando pelo calçadão, e
contando pelo que passou.
Me veio um único pensamento.
“Só faltava essa, além de tocar mal, terrorista?”
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