Wednesday, December 02, 2015

Contos sem fim – O Boticão Perdido de Tiradentes



Contos sem fim –
O Boticão Perdido de Tiradentes

Qual Ouro Preto, qual nada! São João Del Rei, isso sim.
Pimenta conseguira, disfarçadamente, escanear com seu smartphone tudo quanto era documento relativo a passagem de Titadentes como dentista. Ou, como se dizia à época, cirurgião barbeiro.
Depois de mais de mês metido em elocubrações, noites mal dormidas em frente a PCs, tablets e notebooks tinha a pista decisiva e definitiva para a razão da sua vida.
Se o alferes Joaquim José da Silva Xavier era alcunhado Tiradentes não seria por seus dotes como lutador de boxe.
Foi fundo na vida do homem para saber de suas qualidades do que hoje denominamos dentistas. Arrancador profissional de dentes ser um ambulante foi sua sina, sem pouso fixo, uma mera portinha que fosse. Também não encontrou referências a seus dotes de protético nos arquivos estudados. Perambulava com sua valise de couro atendendo aos queixosos das dores lancinantes e que aceitavam a tortura  de uma extração como se fosse a salvação divina. Quantas bocas passaram por suas mãos. Para o Tiradentes eram apenas bocas, na maioria das vezes mal cheirosas. Para Pimenta também não interessava se o alferes usava de sadismo com alguns de seus pacientes, principalmente uns chatos inconfidentes metidos a poetas com musas feiosas, de dentes cariados ou banguelas. Quem sabe não foi algum desses que lhe alcaguetou? Um dos traidores, dos seua carrascos.
O que realmente importava para Pimenta era o que fazia de Joaquim, o Alferes, ser O Tiradentes: sua valiosa valise, sua Arca Perdida, com seus intrumentos, principalmente
um deles, "O Boticão". Para encontrá-lo moveu terras e mares (de espanha), mundos e fundos, cidades do interior mineiro, da rota do ouro, da Derrama. Buscou e fuçou arquivos e documentos em igrejas, obituários, casas de câmara e cadeia, descendentes de conjurados. Não se descuidou da história da odontologia no Brasil, seus primórdios, segredos e códigos, de sua arte paralela em barbear, defender uns trocados extras pra gastar em camas de dulcineias.
Graças a uma correspondência sigilosa entre uma certa senhorita Ingrácia, filha de um tremendo de um puxa saco dos portugueses, e amásia de um dos poetas - aliás o que tinha de poeta por aquelas bandas não estava no gibi, um bando de desempregados bêbados que, por falta do que fazer, inventavam teorias conspiratórias até caírem duros, borrachos - encontrou o caminho certo. Foi via uma tal de família Neves, descendente de um contemporâneo de Joaquim e que ficou com a sua clientela quando este foi preso que soube da existência da confraria dos herdeiros dos inconfidentes. Tremenda de uma apropriação indébita das terras e pertences dos condenados. Se diziam patrocinadores da defesa da turma. Pois bem, até aí morreu neves.
O fato é que de grão em grão, de indício em indício de fuxico em fuxico confirmou que da "Arca Perdida" não tinha restado nada, o couro apodrecera e o seu conteúdo espalhado, dado, vendido. Era para parar sua pesquisa, busca, por aqui. Mas qual. Soubera do destino que era dado aos instrumentos "científicos" de valor, de metal nobre, de origem nobre. Um desses aparelhos cultuados por colecionadores era justamente o quê? O quê?
Isto mesmo. Boticão.
De aço espanhol escovado.
Destino: São João Del Rei, ou del Rey. Uma velha casa, centenária, com senzala transformada em oficina mecânica, garagem. Estava lá, com certeza, junto aos Opalas e Vemaguetes, o fim da empreitada.
Ao adentrar ao recinto, qual Parcifal, encheu-se de luz própria, parnasianamente, e sussurrante dirigiu-se ao senhor idoso que parecia ser o proprietário do local: "Sou Pimenta, com quem o senhor falou por telefone anteontem. Vim buscar a encomenda".
Finalmente estava próximo do Santo Graal. Mais alguns segundos e o teria em suas mãos. O Boticão de Tiradentes.
Enrolado em um guardanapo xadrez estava lá o tesouro prestes a ser tocado por mãos merecedoras de tamanha regalia. Pimenta não sabia se arregalava ou cerrava os olhos. Por fim desembrulhou a peça e a afagou suavemente, colou-a junto ao corpo e soltou o mais longo dos seus suspiros.
Passados alguns momentos de meditação e reflexão,  saindo do estado de letargia em que se encontrava perguntou: "Quanto?"
"Quanto o senhor quiser", foi a resposta. "Tenho mais uns dez deles ali na gaveta", concluiu.
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