Contos sem fim –
O Boticão Perdido de Tiradentes
Qual Ouro Preto, qual nada!
São João Del Rei, isso sim.
Pimenta conseguira,
disfarçadamente, escanear com seu smartphone tudo quanto era documento relativo
a passagem de Titadentes como dentista. Ou, como se dizia à época, cirurgião
barbeiro.
Depois de mais de mês metido
em elocubrações, noites mal dormidas em frente a PCs, tablets e notebooks tinha
a pista decisiva e definitiva para a razão da sua vida.
Se o alferes Joaquim José da
Silva Xavier era alcunhado Tiradentes não seria por seus dotes como lutador de
boxe.
Foi fundo na vida do homem
para saber de suas qualidades do que hoje denominamos dentistas. Arrancador
profissional de dentes ser um ambulante foi sua sina, sem pouso fixo, uma mera
portinha que fosse. Também não encontrou referências a seus dotes de protético
nos arquivos estudados. Perambulava com sua valise de couro atendendo aos
queixosos das dores lancinantes e que aceitavam a tortura de uma extração como se fosse a salvação
divina. Quantas bocas passaram por suas mãos. Para o Tiradentes eram apenas
bocas, na maioria das vezes mal cheirosas. Para Pimenta também não interessava
se o alferes usava de sadismo com alguns de seus pacientes, principalmente uns
chatos inconfidentes metidos a poetas com musas feiosas, de dentes cariados ou
banguelas. Quem sabe não foi algum desses que lhe alcaguetou? Um dos traidores,
dos seua carrascos.
O que realmente importava
para Pimenta era o que fazia de Joaquim, o Alferes, ser O Tiradentes: sua
valiosa valise, sua Arca Perdida, com seus intrumentos, principalmente
um deles, "O
Boticão". Para encontrá-lo moveu terras e mares (de espanha), mundos e
fundos, cidades do interior mineiro, da rota do ouro, da Derrama. Buscou e
fuçou arquivos e documentos em igrejas, obituários, casas de câmara e cadeia,
descendentes de conjurados. Não se descuidou da história da odontologia no
Brasil, seus primórdios, segredos e códigos, de sua arte paralela em barbear,
defender uns trocados extras pra gastar em camas de dulcineias.
Graças a uma correspondência
sigilosa entre uma certa senhorita Ingrácia, filha de um tremendo de um puxa
saco dos portugueses, e amásia de um dos poetas - aliás o que tinha de poeta
por aquelas bandas não estava no gibi, um bando de desempregados bêbados que,
por falta do que fazer, inventavam teorias conspiratórias até caírem duros,
borrachos - encontrou o caminho certo. Foi via uma tal de família Neves,
descendente de um contemporâneo de Joaquim e que ficou com a sua clientela
quando este foi preso que soube da existência da confraria dos herdeiros dos
inconfidentes. Tremenda de uma apropriação indébita das terras e pertences dos
condenados. Se diziam patrocinadores da defesa da turma. Pois bem, até aí
morreu neves.
O fato é que de grão em grão,
de indício em indício de fuxico em fuxico confirmou que da "Arca
Perdida" não tinha restado nada, o couro apodrecera e o seu conteúdo
espalhado, dado, vendido. Era para parar sua pesquisa, busca, por aqui. Mas
qual. Soubera do destino que era dado aos instrumentos "científicos"
de valor, de metal nobre, de origem nobre. Um desses aparelhos cultuados por
colecionadores era justamente o quê? O quê?
Isto mesmo. Boticão.
De aço espanhol escovado.
Destino: São João Del Rei, ou
del Rey. Uma velha casa, centenária, com senzala transformada em oficina
mecânica, garagem. Estava lá, com certeza, junto aos Opalas e Vemaguetes, o fim
da empreitada.
Ao adentrar ao recinto, qual
Parcifal, encheu-se de luz própria, parnasianamente, e sussurrante dirigiu-se
ao senhor idoso que parecia ser o proprietário do local: "Sou Pimenta, com
quem o senhor falou por telefone anteontem. Vim buscar a encomenda".
Finalmente estava próximo do
Santo Graal. Mais alguns segundos e o teria em suas mãos. O Boticão de
Tiradentes.
Enrolado em um guardanapo
xadrez estava lá o tesouro prestes a ser tocado por mãos merecedoras de tamanha
regalia. Pimenta não sabia se arregalava ou cerrava os olhos. Por fim
desembrulhou a peça e a afagou suavemente, colou-a junto ao corpo e soltou o
mais longo dos seus suspiros.
Passados alguns momentos de
meditação e reflexão, saindo do estado
de letargia em que se encontrava perguntou: "Quanto?"
"Quanto o senhor
quiser", foi a resposta. "Tenho mais uns dez deles ali na
gaveta", concluiu.
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