Wednesday, December 02, 2015

Contos sem fim - UMA VIAGEM, UM ACASO



Contos sem fim - UMA VIAGEM, UM ACASO


Sentada de baby doll na poltrona da sala, pernas cruzadas, ela lê notícias e entrevistas que se seguiram ao seqüestro do ônibus 174, no Jardim Botânico. Ela, também aluna de comunicação, se imaginara prisioneira do tresloucado assaltante. Ela, também aluna de comunicação, pensa no patético da situação que Janaina, Luana e Geisa viveram. Ela, também aluna de comunicação, pensa nos limites entre a ficção e a realidade, e se diz com o poeta: “a realidade é apenas a parte mais visível da ficção”.
O professor pediu à sua turma que escrevesse sobre a tragédia, que obrigou até o presidente da república a se pronunciar naquela tarde de pavor. Poderia ser uma crônica, uma reportagem imaginária ou, quem sabe, um conto, onde ela se metesse na pele dos personagens.
Ela acabou de ler os jornais. Ao final do café, comeu a fatia de mamão, vestiu sua jaquetinha e já está indo para um estudo em grupo na faculdade.
- Vai de carro ou vai de ônibus? - indaga a mãe preocupada.
Opta pelo ônibus como se já estivesse escrevivendo seu texto.
Sobe, passa pelo cobrador, verifica se ali atrás tem algum tipo estranho. Precavendo-se, assenta-se ao lado de uma senhora. Começa a examinar os passageiros. Nesse seu ônibus ninguém tem rosto de bandido. Uma mulata gorda com suas sacolas de plástico. Um rapaz, com uma pastinha de boy. Três adolescentes com seus luminosos cabelos e risos matinais. Alguns senhores com roupa e corpo de aposentados. Tudo trivial.
Dá-se conta que está numa ambígua viagem - no seu ônibus e no ônibus seqüestrado. No presente e no passado. Na sua realidade e na ficção, que é a realidade alheia. Ela tem que escrever o trabalho. O ônibus prossegue matinal o seu roteiro onde tudo pode acontecer, inclusive, nada.
De repente, o ônibus, como se não tivesse mais ruas por optar, começa a entrar no túnel.

Contos sem fim - Meu momento Miele.



Contos sem fim - Meu momento Miele.

Vinte e cinco de janeiro de 2007. No Drink Lagoa Kiko Continentino e convidados comemoravam os 80 anos do nascimento de Antonio Carlos Jobim com o propósito de tocar 80 de suas composições.
Casa lotada. Em uma das mesas, ao lado da nossa, estava Miele, Otávio Terceiro, Rosana, e outros amigos. Eu estava de fotógrafo quase oficial, captando detalhes, novidades enquanto Cibele fazia a contagem regressiva das 80.
Pois bem, retornando de uma visita ao banheiro, Miele com seu ar brincalhão e aquele corpanzil, faz uma graça e erra a cadeira, daquelas dobráveis, e cai ao chão, pernas ao alto, calando todos os papos.
Nesse momento descobri que nunca seria um repórter, apesar de estar no último período de jornalismo. Ao invés de fotografar o artista global, famoso, em posição incomum, larguei a câmera e fui ajudá-lo a levantar.

Contos sem fim - Vaticaneando



Contos sem fim - Vaticaneando.
Março 2013
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Começou a temporada de baixarias papais.
Todos os repórteres do mundo em Roma esperando que aconteça alguma merda no Vaticano. Que, pelo menos, a tão decantada chaminé caia em cima dos (in)fieis.
Eleição de um papa pop: Raulito II (o primeiro era único).
- Fumaça preta na chaminé! Não escolheram o papa.
Por que não uma fumaça branca?
Branco só quando dá certo?
Preconceito.
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Agora pensem bem: tarde de terça feira, milhares de pessoas debaixo de chuva, em uma praça (praça mesmo, sem árvores), aguardando uma chaminé lá longe soltar fumaça. É pra quem não tem o que fazer. Ainda mais uma primeira fumaçada. Ou alguém acreditava que iam escolher o (como dizia o Ibrahim) Sumo Patife logo de cara?
Nem o Messi tem essa bola toda.
Façam jogo! E não vai mais.
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E tome de sacanagem com o pobre do papa saideiro.
Vão contar que ele soltava pum quando estava sentado no trono, de ladinho; que tirava meleca na frente dos cardeais irritados e, pior, as comia; que chama o camareiro papal de "meu nêgo", que cospia no chão da Capela Sistina, que fazia buracos e jogava bola de gude nos tapetes dos corredores do Vaticano com os oficiais da Guarda Suiça. Aquele senhor tão sério, tão conservador!
"Marraio, firidô, sou Papa!"
"Bola ou Bula, digo, búlica!"
Pobre Bento que bento era frade.
Agora é tarde.

Contos Sem Fim - Um dia como outro qualquer



Contos Sem Fim - “Um dia como outro qualquer”
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Frase de efeito: “Não era mesmo o meu dia. Se um pombo cagasse na minha cabeça não ficaria surpreso”. Mesmo em uma praça de alimentação de Shopping.
Depois de esperar mais de uma hora (e com hora marcada) pelo urologista que um amigo (muy amigo) indicou - e que era do meu plano de saúde - recebi a notícia que estava se afogando num engarrafamento na Praça da Bandeira. Também quem mandou marcar hora no final da tarde? Hora dos temporais. E ainda sem o tal de piscinão. Nunca fiquei tão feliz com uma consulta desmarcada.
Ainda no carro lembrei que tinha esquecido ligado o som do computador em casa quando saí. O danado adora apitar depois de algum tempo. Como não tenho celular tive de esperar chegar no estacionamento para procurar por um telefone público. Uso cartão, sim senhor. Celi, a secretária (não ... isso é coisa de politicamente corretos e eu não sou), digo, a nossa eterna cozinheira, arrumadeira, faztudo ou quase tudo e, atualmente, muito menos, atendeu já sabendo que era eu. Aflita disse que estava só e quase louca. O apito era alto e já tinha chamado a atenção do porteiro, que não entendia de informática. Uns dez minutos apitando. Menos mal. Expliquei onde estava o botão de desligar e aguardei. Meu medo era que resolvesse puxar algum fio. Mocinha esperta, entendeu quando eu disse que era o botão que tinha uma luz azul. Nunca perguntei se era daltônica.
Ufa.
Antes de chegar ao consultório encarei uma fila descomunal no hall dos elevadores. Tinham dois enguiçados. Tudo bem, pensei, estava adiantado para o compromisso. Fiquei examinando as pessoas (de cima a baixo), como sempre faço para passar o tempo, e acabei esbarrando com um sorriso cúmplice em outra fila. Olhei para os lados, para trás, não reconhecia a figura. Continuou olhando e silenciosamente dizendo que era eu mesmo. E agora? O que devo de fazer? Fiz gestos que não lembrava, que depois falaríamos. Não é que a madame saiu da fila e veio em minha direção? Pronto. Ferrou. Ela chegou perto e disse meu nome. Agora é que ferrou mesmo. Não tinha a menor ideia. A fila andou e eu torci para que chegasse logo lá na frente. Mas parou. E eu com aquela cara de babaca sorridente, dizendo que não lembrava, que o alemão cada dia se manifestava mais, e tome de ela me dar detalhes de como nos conhecemos em uma viagem. Ainda por cima a trabalho. Uma palestra. Pronto ... estou livre, pensei. Tirei uma onda e disse que foram muitas as palestras. Pedi desculpas pela falta de memória e pela má educação. Pediu meu celular. Não acreditou que não tivesse. Escreveu seu e-mail num tíquete de farmácia e me mandou entrar em contato. O nome? Acho que ela não disse. Ou disse e eu não me lembro? Não escreveu. Mais um troço pra ficar matutando. Quem poderia ser? Mais para bonita, uns cinquenta... Talvez um pouco mais. Sei lá. Discreta. Finalmente o elevador chegou e, para meu gáudio, a minha era a última parada, claro. Combinamos nos encontrar, via contato por email, qualquer dia desses por ali mesmo. Trabalhava no prédio.
Esqueci de dizer que tinha acordado suando em bicas. O ar condicionado parou de condicionar pela manhã. Sou muito calorento. Não é qualquer ventilador de teto que me satisfaz. Uma chuveirada matinal e cadê o jornal? O porteiro avisou que só o meu não tinha chegado. Por que o meu? Por que não o do 101? Porque os jornais saem com o número dos apartamento lá da maternidade dos jornais. Ligar para o serviço de reclamações e aguardar que entregassem um novo. Não quis explicações.
Acho que chega, né?
Pois bem: peguei o carro, paguei o estacionamento, feliz por não estar chovendo, ainda, em Botafogo e fui de volta pra casa em direção à Zona Sul.
Surpreso ouvi a voz da moça do GPS, de quinhentas pratas, que tinha acabado de comprar e instalar:
"A trezentos metros, dobrar à direita". Um susto! Não tinha programado nada ... "A duzentos metros, dobrar à dtrelta".
Nesse instante retumba uma voz masculina, zangada:  
"É dobrar à esquerda! À esquerda! "
"É à direita, sim. E é a cem metros!" responde a voz feminina.
"À esquerda, à esquerda!",
“À direita”
“À esquerda”
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Parei o carro junto ao meio fio e chorei.
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Contos sem fim - Sumiço.



Contos sem fim - Sumiço.
. (11/03/14)

“A viagem? Como foi a viagem?”, perguntou Ratão, dono do boteco mais popular do vilarejo, com ar de cumplicidade.
“Sempre um tiro no escuro”, respondeu Geraldinho, o contador de histórias local, gesticulando, ondulando as mãos, como se surfasse.
“Juntamo-nos ao pessoal que usufruiu das vigas da Perinatal e saímos perambulando por aí, a esmo. Sem latifúndio”.
“Nós vimos quando você entrou na nave - hahaha... disfarçada de Fiat 147, hahaha – e foi em direção à Serra do Encantamento. Fomos atrás, mas você tinha sumido no nevoeiro.
“Pronto! Abduzido mais uma vez!
“Só restava aguardar”.
“Pois é. Apesar de aparentar muito tempo foi um desidério rapidinho”.
“Quando soubemos do sumiço do avião da Mala Airlines, sem deixar rastros, papuf no ar, ligamos logo a sua ida pra serra. Aí tem dedo do Geraldinho”.
Enquanto sorria baixinho, com a mão na boca pra disfarçar seu bafo de onça, olhava pro céu como se procurasse por alguma coisa muito longe.
“Logo, logo, vão arrumar explicações pra essa desdita aeronáutica, Ratão. Mas nós sabemos o que realmente aconteceu. Mais uma brincadeira sem graça dessa turma de cafajestes”.
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Contos sem fim – Poéticopatético



Contos sem fim – Poéticopatético
(03-14)

Luiza desligue o ventilador
A energia não acabou.
Energia é o que não falta
A Light é que nos falta
Não liga para nós.

Se não é artificial
O que é natural já dá.
Abra a janela, deixe o vento soprar
A luz da lua entrar
Ouvir um som de voz.