Thursday, April 19, 2007
SILÊNCIO NA PRAIA
Nos quatro quilômetros da Praia de Copacabana são poucos os locais para assistir shows ao vivo
Copacabana está silenciosa. São tão poucos os lugares onde se pode ouvir música ao vivo que podemos dizer que não era. A famosa praia, eternizada em canções, a Princesinha do Mar, nem de longe faz lembrar que foi em seus apartamentos da Avenida Atlântica que nasceram os primeiros acordes que vieram a tornar-se marca registrada do Brasil e do Rio de Janeiro: a bossa nova. Rio de Janeiro e Copacabana sempre foram sinônimos de música. E de boa música.
A orla – já com inúmeros hotéis desde a década de 40, e principalmente nos anos 50 – tinha seu ponto alto nos bares, boates e inferninhos. Orquestras e conjuntos animavam as noitadas cariocas. O Golden Room do Copacabana Palace – onde grandes nomes da música internacional se apresentaram –, o Cassino Atlântico, no Posto Seis, e o célebre Bolero – reduto dos marinheiros americanos que por aqui aportavam – eram os mais famosos, e invadiam com seu som as noites e madrugadas da Zona Sul boêmia, do samba-canção ao fox-trot e jazz, passando pela rumba e o bolero. Não existia FM e nem música gravada, muito menos DJs. Era o mercado de trabalho para os músicos depois do fechamento dos cassinos em 1946.
O que se vê hoje à beira mar são hotéis, bares e restaurantes silenciosos. O que seria o ambiente propício para se ouvir MPB, bossa nova, a música que se fez internacional, mostra-se um deserto de sons. Quase não se ouve música ao vivo na Praia de Copacabana.
Ouve-se por parte dos hotéis e bares da orla inúmeros argumentos para que não invistam em música ao vivo. Um deles é a forma atual de cobrança de direitos autorais pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). Os valores cobrados nem sempre são compatíveis com o retorno financeiro. Paga-se a mesma taxa para uma casa vazia ou cheia, o que é um desestímulo. No entanto, quando os músicos são considerados funcionários do hotel e a música ao vivo é mais um serviço oferecido ao hóspede essas despesas ficam embutidas nas diárias. Mas quando chega a época de reduzir custos, a música é um dos primeiros gastos a se cortar.
Outro argumento para afugentar possíveis freqüentadores que não estão hospedados nos hotéis é a crença de que os preços, como um todo, são muito mais caros. O que é verdade quando se compara com bares e restaurantes locais, com uma infra-estrutura diferenciada. No piano-bar de um deles uma água tônica custa quase R$ 10 enquanto em outro, com um conjunto tocando, não passa de R$ 6.
Há 19 hotéis na orla de Copacabana, do Leme ao Posto Seis. Alguns poucos, de renome, ainda mantêm músicos tocando em suas dependências. É o caso do Cotton Club, no mezanino do Shopping Cassino Atlântico, com a apresentação de alguns shows durante a semana; do Bar de La Paix, no Meridién e do Pestana Atlântica onde, no Lobby Bar, Luiz Eduardo Mariano toca em um piano de cauda para uns poucos hóspedes das 19h às 22h. Antes dele se apresentava o conjunto do saxofonista Breno Hirata, que o indicou para substituí-los, quando terminou o contrato do grupo.
No Sofitel, Giancarlo Pochettino, responsável pelo setor de Bebidas e Alimentos (órgão que em geral cuida dos eventos nos hotéis) mantém no Horse’s Neck – um piano-bar com varanda para a praia –, nos fins de semana, uma programação variada com bossa nova, jazz, blues e música instrumental. Para ele, é uma tradição a ser conservada. Com uma verba fixa, tem contrato com alguns produtores que fornecem uma programação mensal, e cuidam dos gastos com encargos, e cachês dos músicos. Pochettino acha esse tipo de atividade um atrativo a mais para os hóspedes e visitantes.
O baterista Pascoal Meirelles considera o Horse’s Neck um local privilegiado. No palco o seu trio, com André Neiva, no contrabaixo, e Alexandre Carvalho, na guitarra, mostra como um ambiente se transforma, cresce, com a presença de um som ao vivo. “E sabemos que existem outros lugares, com esse ar e um visual semelhante a serem explorados. Estamos no Rio de Janeiro, Copacabana”, conclui Pascoal.
Durval Ferreira, compositor e músico consagrado, hoje produtor do JClub no Espaço Julieta Serpa, no Flamengo, não acredita que seja fácil mudar hábitos. “Os turistas – sejam eles estrangeiros ou brasileiros – gostam de sair do hotel. Preferem os shows fora dos seus hotéis. Geralmente os hóspedes pedem aos concierges a indicação de programas e de casas de espetáculos.”
Durval já tentou reviver o Clube de Jazz e Bossa em vários hotéis, mas acabou desistindo, pois além dos custos envolvidos não houve a resposta esperada daqueles que se diziam interessados.
O pensamento de Paulinho Trompete, músico com uma farta bagagem internacional, tendo feito temporadas nos áureos tempos do Skylab, no Othon Palace, é mais pragmático. Ele acredita que só com uma divulgação maciça poderá tirar do esquecimento o que há de melhor de nossa música, tão executada no exterior. “Os hotéis seriam um passo importante nessa divulgação”, explica. “Os órgãos locais de turismo deveriam dar mais atenção a esta questão. Não é apenas emprego para os músicos. É a divulgação de que aqui existe, de verdade, um turismo musical”, conclui Paulinho.
O Hotel Debret manteve até pouco tempo a happy hour do Bar Mucama, com voz e violão e que varava noite adentro. Era um local onde sempre apareciam outros músicos e cantores para dar uma canja. Aniversários eram comemorados ali com muita bossa. Devido à falta de divulgação, e a conseqüente redução de freqüentadores, o hotel resolveu cancelar por tempo indefinido as suas atividades.
São muitos os hotéis da orla que possuem ambientes adequados, mas que não oferecem música ao vivo e, quando a têm, esta é contratada por terceiros para eventos empresariais. Como já disse Durval Ferreira, a grande maioria alega que seus hóspedes ficam durante pouco tempo no hotel e, portanto, não vale a pena investir em ambientes adequados para receber uma programação com música ao vivo. Nem como happy hour no bar e, muito menos no restaurante durante as refeições.
“Os hotéis da Avenida Atlântica são uma grande vitrine de nossa música”, é o que pensa Wil Botelho, que já tocou em vários hotéis da Zona Sul e durante um longo tempo foi contratado do scotch bar da Churrascaria Mariu’s de Ipanema. Considera que é, inclusive, a oportunidade dos músicos mostrarem suas produções, composições e, também, os seus CDs.
Ao contrário dos grandes hotéis de outros países – localizados em pontos turísticos – onde a existência de música ao vivo em suas dependências é parte integrante dos serviços prestados, no Rio de Janeiro é considerada uma atividade supérflua. É um paradigma a ser revisto, pois o seu incentivo pode reviver os áureos tempos da Princesinha do Mar, seguindo o exemplo da Lapa.
Uma Lapa que se redescobriu com a tradição, com o chorinho e o samba de raiz e já possui a sua platéia cativa, dando vida a um local até pouco tempo temido e desprezado. Hoje a Lapa envolve um grande complexo turístico, com casas de espetáculos e restaurantes, motivando investimentos em entretenimento, transporte e em segurança – fator fundamental para que qualquer evento mantenha-se vivo – gerando empregos em todos os segmentos.
Copacabana já conta com toda infra-estrutura montada. É um espaço a ser preservado e renovado, com toda sua bagagem e cultura musical.
Os áureos tempos das noites de Copacabana
Dick Farney cantava: “Copacabana princesinha do mar, pelas manhãs tu és a vida a cantar”. Havia canção em Copacabana, em suas areias. Na boate Vogue – e depois na sua própria boate –, Sacha Rubin, seu piano e seu cigarro, ponteava nas noites do “café-soçaite”. Para cada freqüentador que chegava, Sacha tocava sua música favorita. Era o seu diferencial.
Músicos e intérpretes faziam a noite não só da orla como de toda Copacabana. Waldyr Calmon, no Arpége, e Djalma Ferreira, no Drink, eram sucesso. Não se ouvia música mecânica. Nos anos 60, período áureo da bossa nova, ainda existiam muitos bares na Avenida Atlântica, como o Gasthaus, Pigalle e o Maxim’s com pequenos conjuntos, trios, ou até mesmo pianistas acompanhando crooners. Alguns chegaram a sobreviver até a década de 70, princípio de 80.
Não havia a facilidade dos teclados portáteis de hoje nem dos contrabaixos elétricos. Os músicos dependiam da disponibilidade de instrumentos nos locais onde tocavam. Os baixistas carregavam seus caixões por todos os lados. Época romântica.
O Beco das Garrafas, no Lido, no mesmo quarteirão da praia, era referência musical internacional. Tudo acontecia a sua volta. Au Bon Gourmet, Le Bec Fin, as boates Cangaceiro, Michel, Fossa, Kilt, Zum-Zum, e muitas outras contribuíam para a noite com seus pocket shows. Ou então nasciam nas reuniões da boate do Hotel Plaza, templo de uma nova música, jazzística, de músicos que vieram a se consagrar como Johnny Alf, Tom Jobim, Luiz Eça e muitos outros. Música ao vivo: os bares faziam questão de ter o seu intérprete pessoal, com piano ou violão. Cantava-se, naquela época.
Época em que quase todos os hotéis de importância – não só da orla – tinham em suas boates e bares seus músicos exclusivos. O pianista Ribamar e seu conjunto faziam sucesso acompanhando cantores famosos, da moda, no Hotel Excelsior. O Copacabana Palace pontificava por ser o centro dos grandes eventos musicais e dos ídolos da música internacional que vinham apresentar-se com exclusividade em seus palcos. Copacabana respirava boemia e música.
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2 comments:
Alô, é o FH.
Seu post é excelente, quero ver outros. E obrigado pela citação no Loronix.
Abração
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