CONTOS DE FADAS ESQUECIDOS
*João Gilberto e Maria Lúcia
(Jan16)
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Era uma vez dois irmãos, gêmeos, que adoravam perturbar sua mãe viúva, doceira
das famílias de gnomos da floresta: João Gilberto e Maria Lúcia.
Gorduchinos não podiam sentir o cheiro de um doce.
Um belo dia, com raios e trovões, embrenharam-se na floresta
de pinheiros que, na verdade, era de araucárias, em busca de aventura pois,
como diziam, ainda não tinham inventado a internet. Levavam um farnel repleto
de guloseimas para uma eventualidade.
Ao cair da noite deram-se conta que tinham se afastado
demais de casa e resolveram dar uma parada e acampar sob um renque de
sei-lá-o-quê. Com suas capas tipo Chapeuzinho forraram o chão e dormiram.
Acordaram sob um sol escaldante e caminharam, caminharam sem
destino. O sol cada vez nascia e se punha em uma posição diferente.
A comida já tinha acabado há tempo, estavam famintos, e
sabiam que estavam perdidos. Água não era problema. A floresta tinha muitos
regatos serpenteando morretes e clareiras. Não aguentavam mais era comer uns
frutos meio ácidos, azedo que nasciam sob as araucárias. Nenhum docinho.
Definhavam a olhos vistos. A única coisa a fazer, para não
entrar em pânico, era cantar umas Bossas Novas, ou uns Villas, que aprenderam
com seu falecido pai, colecionador de 78s. Como eram afinadinhos logo estavam
cantando em dueto, harmonizando em terças e quintas. De ouvido.
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Ao fim de uma das caminhadas noturnas viram ao longe uma luz
bruxuleante, parecendo de uma casa. Os magricelas, cambaleantes, cansados,
deram de cara com algo parecido com uma caixa de presentes gigante. Sob uma das
fitas do laçarote encontraram uma porta. Entraram. O cheirinho era bem
conhecido pelos dois: chocolate.
Foram caminhando pelo interior da estranha casa passando os
dedos pelas paredes e móveis, lambendo, sentindo as diferenças de texturas e
sabores. Amargo, meio amargo, 50%, com leite, branco, com nozes...
Entusiasmados se animaram e começaram a cantar de
felicidade.
Eis que de repente, não mais que de repente, pulou na frente
dos dois uma mulher, de cachos longos e loiros, roupa de ginástica preta, meia
3/4 branca, tenis Mike colorido, casaquinho de moleton preso na cintura e, na
cabeça um chapéu cônico, preto, com uma fita vermelha brilhante e, estampado
nela, o escudo do Flamengo.
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Era a Bruxa Malvada de Ipanema que fazia ponto no Nove
depois que o Pier foi demolido - saudade
dos bons tempos das Dunas da Gal.
Com a consultoria de vários ex ministros da fazenda e
economia abriu uma franquia de Chocolates de Gramado feitas ali mesmo na
Floresta, com um grupo de chineses que não deram certo no ramo das lanchonetes
e pastelarias. Como não imaginava que além da Kopenhagen teria de enfrentar a
concorrência das “Cacau Shows” da vida topou contratar mão de obra escrava
infantil. E foi no que pensou ao ver aqueles dois.
Perguntou de cara quem estava cantando e ficou surpresa ao
saber que o coro mavioso era da dupla.
Ao ouvir a resposta resolveu levar um papo antes de tomar
qualquer providência.
Ora bolas, estava chegando em sua casa de campo na Floresta,
cansada de malhar na academia. Ali era o seu refúgio onde curtia seus LPs e
fitas K7 convertendo-os em mp3 para gravar em pendrive e ouvir em sua vassoura
que, por sinal, tinha um puta som, com twitters e caixas bass reflex. Som
surround.
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Com voz de bruxa mandou que cantassem uma música de Tom e Vinicius. Eles não
sabiam nomes de autores. Apenas sabiam cantar. Ouvidos absolutos.
E, obrigados, cantaram mais algumas que sabiam. No entanto a
fome falava mais alto e começaram a falsear, a improvisar. A bruxa, abismada,
boquiaberta, descobrira uma nova fonte de renda. Era só saber trabalhar o
tesouro que tinha nas mãos.
Em um dos muitos aposentos da Caixa de Presente confinou os
dois. Poderiam lamber todas as paredes e móveis, desde que aprendessem
determinadas canções. Não era bem a praia da bruxa de Ipanema e, para tanto,
contratou os serviços de bruxas de segundo time, do interior do Centro Oeste;
Bruxas com chapéus de cowboy, botas de couro com detalhes em taxas e saltos
altíssimos. Sabiam tudo sobre programas de TV que bombavam. Com uma verba
extra, tipo caixa dois, pediriam auxílio a algumas companheiras da Bahia,
chegadas a um axé, umas sangaladas, se bem que já meio fora de moda, mas que
sabiam o caminho das pedras. A Bruxa de Ipanema sabia das coisas. Para seu
deleite caseiro um Tom, um Johny Alf, Chico, Paulinho da Viola ou Milton e,
para faturar algum por fora (não aguentava mais a faxina no meio político e
empresarial), uns musicais de quatro acordes.
Com o troco investiria nos Becos das Garrafas da Vida.
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João Gilberto e Maria Lucia engordaram, tiveram aulas de
teoria musical, piano e guitarra além de serem obrigados a 8 horas de audição
de Bossa Nova, samba jazz, jazz, sambalanço e blues. Pro resto bastava uma
horinha.
Sentindo que faltava alguma coisa a Bruxa de Ipanema fez um
concurso na Floresta para grupos instrumentais, no tipo The Voiz. O vencedor
acompanharia o duo em turnê pelas florestas encantadas do mundo até chegar o
dia da grande premiére. Aonde? no Bottle’s, of course!
Esse dia ainda não chegou.
Enquanto isso o Gnomos Quartet vai ensaiando e vão vivendo
felizes para, digo, por enquanto.
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